terça-feira, 27 de maio de 2008

Weblogs como Resistência

RESUMO

Este artigo pretende mostrar como os weblogs podem ser entendidos, na sociedade atual, como resistência/luta às relações de poder. Tudo isso, no sentido enunciado pela Análise do Discurso (AD), numa perspectiva foucaultiana.

Palavras-Chave: discurso, relações de poder, resistência, luta, blogs.


Introdução

Tanto Recuero (2004), quanto Orihuela (2007) concordam que os weblogs (ou blogs) são publicações pessoais feitas na web/internet. Recuero declara que os blogs são atualmente um dos fenômenos que mais crescem na web. Isso acontece principalmente pela facilidade com que se pode utilizar esse novo espaço no ciberespaço. Além da facilidade de publicação de conteúdo e informações os blogs, segundo Orihuela (2007), multiplicaram o leque de opções dos internautas de levar para a rede conteúdos próprios sem intermediários, atualizados e de grande visibilidade para os pesquisadores.
Recuero (2004) destaca que os weblogs são, inicialmente, espaços revolucionários na Web. Isso porque são caracterizados pelo diálogo, pela reciprocidade na troca comunicativa. Esta pesquisadora também acrescenta que esses espaços constituem um “lugar de fala” e uma apropriação social.
Este artigo de revisão de literatura pretende mostrar que, dentro do complexo campo teórico que forma a Análise do Discurso (AD), os blogs podem ser apreendidos (num dos pontos da AD) como resistência/luta em oposição aos micro-poderes que compões o(s) discurso(s) da chamada sociedade pós-moderna.
Para tanto, primeiro será apresentada a questão de como para a AD (especialmente o aparato teórico de Foucault) são mostradas as relações de poder e como elas se evidenciam nos discursos. Será apresentado, ainda, como as resistências se configuram nessas relações de poder. E por fim, como isso pode ser visto na forma como os “blogs temáticos” têm se configurado.

Relações de Poder

Dentre os “fundadores” da AD Francesa, destacam-se as figuras de Michel Pêcheux e Michel Foucault. Sendo este último o teórico/filósofo, cuja reflexão sobre as relações de poder mais influenciaram os rumos da AD.
Para introduzir alguns conceitos é interessante começar pelo conceito de discurso, no sentido enunciado pela AD Francesa, que segundo Fernandes (2007) seria:

(...) discurso, tomado como objeto da Análise do Discurso, não é a língua, nem texto, nem a fala, mas que necessita de elementos lingüísticos para ter uma existência material. (...) discurso implica uma exterioridade à língua, encontra-se no social e envolve questões de natureza não estritamente lingüística. Referimo-nos a aspectos sociais e ideológicos impregnados nas palavras quando elas são pronunciadas. (FERNANDES, 2007, p. 4)

O discurso é visto por Foucault como um espaço em que “poder” e “saber” se articulam. Ele analisa os dispositivos de poder nas sociedades. E é no livro A Ordem do Discurso, que Foucault, segundo Gregolin (2004, p. 97) desenvolve a idéia de que nossa civilização, apesar de venerar o discurso, tem por ele uma espécie de temor. Como conseqüência, criaram-se sistemas de controle, instituídos de forma a dominar a proliferação dos discursos.
Esse “temor” do discurso levou Foucault a concluir que a produção do discurso é controlada, organizada, selecionada e redistribuída por alguns procedimentos. Estes procedimentos são classificados em externos, internos e rarefação do discurso. Este artigo irá, mesmo que de forma simplificada, refletir apenas sobre os procedimentos externos (que são a interdição, a segregação e a vontade de verdade) e a rarefação.
A interdição e a segregação evidenciam a relação do discurso com poder, porque são elas que determinam que algumas palavras sejam proibidas (GREGOLIM, 2004). Como diz Foucault (1996, p. 9) não se tem o direito de dizer tudo (...) não se pode falar tudo em qualquer circunstância, (...) qualquer um não pode falar qualquer coisa.

Decorre das interdições que, numa sociedade, existam aqueles que podem e aqueles que não podem falar, havendo, portanto, certos rituais da palavra que separam, na comunidade de fala, aqueles que têm o direito exclusivo sobre o dizer em certo campo discursivo. (...). Junto com o procedimento de segregação, uma sociedade determina o silêncio pelas censuras entre o normal e o patológico, a razão e a desrazão, o certo e o errado. (GREGOLIN, 2004, p. 97)

Da segregação e interdição deriva o terceiro procedimento: a vontade de verdade, que na sociedade opõe o verdadeiro ao falso. Para Foucault a verdade é uma configuração histórica, ele entende que não há uma verdade, mas vontades de verdade, pois para o discurso ter poder tem que estar dentro do verdadeiro da época, mesmo que depois se evidencie que tal discurso não se constitui em verdade. Um exemplo disso ocorreu quando na sociedade medieval o discurso científico (que era intensamente atravessado pelo discurso religioso) “falava” que o sol girava em torno da Terra. Mesmo com algumas posições contrárias (que foram interditadas e segregadas) esse discurso com seus enunciados constituía o verdadeiro da época. Daí se conclui que se não estiver no verdadeiro da época o discurso não ecoa, não reverbera.
Assim, as vontades de verdade,

se transformam de acordo com as contingências históricas. Apoiada sobre um suporte e uma distribuição institucional, a vontade de verdade tende a exercer sobre os outros discursos uma espécie de pressão, um poder de coerção. (...) Trata-se, para Foucault, de uma função de “polícia discursiva” que é necessário reativar a cada produção do discurso. Tendo em conta a importância que adquiriu em nossa sociedade, dos três sistemas de exclusão que atingem o discurso, a vontade de verdade é o mais fundamental e atravessa os dois primeiros (...). (GREGOLIN, 2004, p. 98)

A partir dos princípios de controle do discurso (procedimentos externos e internos) algumas práticas têm como conseqüência o que Foucault denomina “rarefação dos sujeitos que falam”.

Os sujeitos que pronunciam os discursos são cerceados por regras que envolvem o ritual, as sociedades de discursos, as doutrinas e as apropriações sociais do discurso. Por meio do ritual, definem-se a qualificação, os comportamentos, as circunstâncias que devem possuir os indivíduos que falam, e todo o conjunto de signos que devem acompanhar o discurso; assim, ele fixa a eficácia suposta ou imposta das palavras, seu efeito sobre aqueles aos quais se dirigem, os limites de seu valor de coerção. (GREGOLIN, 2004, p. 104)

Gregolim (2004) resume que o papel da doutrina é limitar o discurso a alguns sujeitos, assim, certos indivíduos são relacionados a certo tipos de enunciados, os outros enunciados são proibidos a esses indivíduos. Pode-se até fazer uma analogia (para explicar melhor esse ponto) com a chamada especialização. Por exemplo, não se dá a mesma “credibilidade” ao discurso de um engenheiro ao ele pronunciar enunciados sobre uma doença ou algo ligado às ciências médicas, do que a um médico. Neste caso o dizer o engenheiro está limitado a sua posição na sociedade.
Já o que Foucault chama de apropriações sociais dos discursos são as instituições responsáveis pela distribuição dos discursos, pelo gerenciamento dessa distribuição (GREGOLIN, 2004, p. 105). No caso dos weblogs isso não funciona de maneira explícita, pois esses espaços, como foi dito no início deste artigo, constituem-se numa forma de publicação sem intermediários.
E como a linguagem/o discurso se materializa no enunciado. Todo esse complexo de “assujeitamento” discursivo acontece porque a sociedade acredita que

Todos esses sistemas de sujeição e de controle do discurso são interligados, não há uma fronteira que delimite seus espaços. (...). É por meio desses temas, tão insistentemente repetidos em nossa cultura, que acreditamos aceder ao real através da linguagem, que acreditamos evidente que as coisas murmuram, de antemão, um sentido que nossa linguagem precisa apenas fazer manifestar-se (...). (GREGOLIN, 2004, p. 105)

Assim a AD descreve as articulações entre a materialidade dos enunciados, que formam os discursos:

articulações entre a materialidade dos enunciados, seu agrupamento em discursos, sua inserção em formações discursivas, sua circulação através de práticas, seu controle por princípios relacionados ao poder, sua inscrição em um arquivo. A tudo isso, acrescenta-se o princípio da não evidencia do sentido, da não transparência do dizer. (GREGOLIN, 2004, p. 108)


Resistências

O poder faz parte do cotidiano e só existe porque há liberdade, já que só é possível exercer o poder sobre sujeitos livres. E essa liberdade implica em resistência e luta contra as relações de poder.

a produção e circulação dos enunciados também se dão profundamente enraizadas no nexo social; é no social que se definem as posições-sujeito, não fixas, marcadas por mutabilidade(...). O enunciado, ao revelar posição do sujeito, mostra-o em relação de poder. Assim, o discurso é parte integrante de um jogo de lutas, de antagonismos próprios à vida dos sujeitos em sociedade, e a resistência é também uma forma de poder nas lutas, e consiste uma prática discursiva. (FERNANDES, 2007, p. 59)

Gregolin (2004) complementa este pensamento dizendo que o poder foi pulverizado e por isso está presente em todos os aspectos da vida moderna. Mas essa pulverização, que se constituiu através da disciplinaridade, começou desde a idade medieval, segundo Foucault.

(...). A sociedade moderna construiu uma maquinaria de poder através da disciplinaridade, cuja anatomia política desenha-se aos poucos até alcançar um método geral e espalhar-se numa microfísica do poder que vem evoluindo em técnicas cada vez mais sutis, mais sofisticadas e, com sua aparente inocência, vem tomando o corpo social em sua quase totalidade. Essa microfísica se materializa no olhar vigilante que, do interior das instituições (...) ganha prolongamento social nas ações da vida cotidiana. Esse controle do olhar se funde com a disciplina organizadora do tempo e do espaço, criando o império da regularidade do ritmo, pois “é proibido perder tempo” já que “tempo é dinheiro”. (GREGOLIN, 2004, p. 132)

Cabe agora ressaltar que quando se fala em “disciplinarização”, Foucault não quer dizer que os indivíduos são robôs, que aceitam passivamente, todas as determinações do poder.

Para Foucault, o fato de haver uma “disciplinarização”, de ter sido necessário desenvolver mecanismos de controle e de vigilância contínuos demonstra que os sujeitos lutam. Dessa luta deriva, como conseqüência, o fato de que nenhum poder é absoluto ou permanente; ele é, pelo contrário, transitório e circular, o que permite a aparição das fissuras onde é possível a substituição da docilidade pela meta contínua e infindável da libertação dos corpos. O exercício do poder não é um fato bruto, um dado institucional, nem uma estrutura que se mantém ou se quebra; ao contrário, ele se elabora, transforma-se, organiza-se, dota-se de procedimentos mais ou menos ajustados. (...)
(...) as lutas, na sociedade moderna, giram em torno da busca da identidade e o seu principal objetivo não é o de atacar esta ou aquela instituição de poder, ou grupo, ou classe ou elite, mas sim uma técnica particular, uma forma de poder que se exerce sobre a vida cotidiana imediata”. (GREGOLIN, 2004, p. 136 e 137)

Talvez essa relação complexa entre poder e resistência seja melhor compreendida se for entendido que o “poder” em Foucault é o que Pêcheux (via Althusser) chame de “ideologia”. Assim talvez fique mais fácil o entendimento de como as resistências acontecem.
Para concluir esta parte, cabe mostrar através de uma citação de Gregolim, como essa relação entre poder e luta (resistência) se evidencia na sociedade.

O ponto mais importante, para Foucault, em sua “analítica do poder” é, como se pode perceber, a articulação entre relações de poder e estratégias de afrontamento, pois toda relação de poder implica, potencialmente, uma estratégia de luta, sem que por isso elas se sobreponham, percam suas especificidades e, finalmente, confundam-se. Relações de poder e estratégias de luta constituem, uma para a outra, uma espécie de limite permanente, um ponto de reversão possível. Ao mesmo tempo, elas constituem uma fronteira: não é possível haver relação de poder sem pontos de insubmissão que, por definição, lhe escapam. Em suma, toda estratégia de afrontamento sonha em transformar-se em relação de poder; e toda relação de poder pende, na medida em que ela segue a sua própria linha de desenvolvimento e que evita as resistências formais, a tornar-se estratégia “vitoriosa”. (...), não há uma servidão voluntária: no coração de relação de poder, provocando-a sem cessar, está a relutância do querer e a intransitividade da liberdade”. (GREGOLIN, 2004, p. 144 e 145)


Blogs como Resistência

Como foi dito no inicio, os blogs são um dos fenômenos de maior crescimento na sociedade digital. Além de se constituírem em um meio de publicação pessoal, os blogs “requerem” uma relação entre o “blogueiro” (responsável pelo blog) e seu leitor.
Neste artigo serão entendidos (a princípio e de forma mais explícita) como resistência os blogs temáticos e não aqueles que se parecem mais com diários pessoais. Os temáticos são aqueles que retratam assuntos que giram em torno de um mesmo tema (como o próprio nome diz) ou os que se aproximam dos meios jornalísticos, através de comentários/crítica sobre os acontecimentos que são destaque na mídia.

O blog é um meio a princípio pessoal (embora haja blogs em grupos), que funciona sem editores e sem prazos, sem fins lucrativos, e que é escrito, em geral, pelo prazer de compartilhar informações ou como veículo de expressão. Diante da “realidade jornalística”, o blog possui uma resposta mais rápida, mais impressionista e mais pessoal do que os meios de comunicação tradicionais e, por sua vez, contribui para ampliar as fronteiras da realidade midiática. Um dos efeitos da apropriação paulatina da rede por parte de novos atores que produzem o conteúdo é que a agenda pública já não é exclusivamente marcada pelos grandes meios de comunicação. Atores antigos e novos compartilham o papel de protagonistas em um ecossistema comunicacional renovado. (ORIHUELA, 2007, p. 6)

Pelo que foi exposto acima por Orihuela, pode-se chegar à conclusão de que os blogs se constituem como luta ao discurso midiático, pois muitas vezes o contradiz ou mostra outras facetas que foram interditadas pelos meios de comunicação de massa.
Outra característica que evidencia a luta e a relação de poder são razões segundo Orihuela que levam as pessoas a escreverem/fazerem blogs. Seriam eles: a necessidade de expressão, desejo de compartilhar saberes, desejo de se integrar em uma comunidade, busca de reconhecimento, exploração criativa, terapia, participação política, defesa de interesses ou mera exposição. (ORIHUELA, 2007, p. 7)
Assim a importância dos blogs vem crescendo. E eles vão se tornando como fontes informativas complementares e alternativas. Isso principalmente, porque em muitos casos os blogueiros (de blogs temáticos) são indivíduos que “entendem” do assunto, e assim, muitas vezes se constituem em “sujeitos” (no sentido da AD) autorizados a produzirem/enunciarem tais discursos.

Os blogs revolucionaram a maneira de gerar conteúdos na rede, impulsionaram um novo tipo de comunidades com base no conhecimento e contribuem para a enorme tarefa de dar sentido e relevância à informação que se encontra disponível na rede.
Os blogs constituem uma das zonas mais dinâmicas da internet e se projetam com segurança como um novo meio de comunicação on-line que luta por um lugar entre as versões eletrônicas dos meios tradicionais e dos meios apenas digitais (portais informativos, revistas digitais, boletins eletrônicos) (...). (ORIHUELA, 2007, p. 16)

Neste sentido os blogs realmente se configuram como resistência, pois se mostram cada vez mais como espaço de “luta”.


Considerações Finais

Por tudo o que foi exposto vale reafirmar a importância das resistências, principalmente no sentido de se entender que é nessa relação “conflituosa” entre poder e luta que a sociedade moderna (ou pós-moderna) vive cotidianamente. Pode-se, então, vislumbrar que os indivíduos não são passivos, mas que onde há poder há resistência.
Também pôde-se mostrar neste artigo como os blogs vêm se constituindo como parte do aparato das resistências pós-modernas da sociedade digital. Isso principalmente, no sentido de que atualmente eles têm servido como filtro social de opiniões, temas e até notícias. Configurando-se, então, em um novo canal que critica os meios de comunicação tradicionais. E assim podem at se configurar em um fator de mobilização social.





BIBLIOGRAFIA

· FERNANDES, Cleudemar Alves. Análise do Discurso: Reflexões Introdutórias. São Carlos: Claraluz, 2007.
· ___________. A Noção de Enunciado em Foucalut e sua Atualidade na Análise do Discurso. In: FERNANDES, Claudemar Alves e SANTOS, João Bosco Cabral dos (org.). Percursos da Análise do Discurso no Brasil. São Carlos: Editora Claraluz, 2007.
· RECUERO, Raquel. O Interdiscurso Construtivo como característica fundamental dos Webrings. Intexto, Porto Alegre, v. 10. 2004.
· ORIHUELA. José Luis. Blogs e Blogosfera: o Meio e a Comunidade. In: ORDUÑA, Octavio I. Rojas[et al.]. Blogs: Revolucionando os Meios de Comunicação. São Paulo: Thomson Learning, 2007.
· FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
· GREGOLIN, Maria do Rosário. Foucault e Pêcheux na Construção da Análise do Discurso: Diálogos e Duelos. São Carlos: Claraluz, 2004.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Configuração do Discurso Tecnológico

RESUMO

Este artigo pretende mostrar como se constituiu o discurso tecnológico na sociedade da informação. E apresentar dois dos principais enunciados que evidenciam esse discurso o compondo e reforçando na sociedade.

Palavras-Chave: discurso tecnológico, sociedade da informação, inclusão digital, internet.


Introdução

Com a passagem da chamada Sociedade Industrial para o a Sociedade da Informação, no início dos anos 70, iniciou-se a construção da noção de Sociedade Digital. E como qualquer novo paradigma para se estabelecer foi se instaurando um novo discurso, que para se legitimar necessitou que sua ideologia fosse disseminada e apreendida. Na maioria das vezes isso acontece exacerbando qualidades do novo modelo, mesmo que isso se configure em uma utopia. E foi o que aconteceu com a chamada “Revolução Tecnológica”.

Como todo processo de transformação histórica, a era da informação não determina um curso único da história humana. Suas conseqüências, suas características dependem do poder de quem se beneficia em cada uma das múltiplas opções que se apresentam, conforme a vontade humana. Mas a ideologia tecnocrática futurológica tenta apresentar a revolução tecnológica como ditando uma única forma de organização social possível, geralmente associada à lei do mercado e ao processo de globalização. Desta forma, a aceitação do extraordinário caráter da revolução tecnológica em curso comportaria a aceitação, no essencial, da proposta segundo a qual a ciência e a tecnologia, utilizadas racionalmente, solucionarão os principais problemas da humanidade. Ainda reconhecendo obstáculos no processo de difusão e desenvolvimento, a crítica aos usos da tecnologia se identifica com a resistência obscurantista à mudança social. A ideologia da bondade tecnológica e a ideologia de uma globalização fundamentalmente orientada pela lei do mercado reforçam uma a outra. Em ambos os casos, desaparece a sociedade como processo autônomo de decisão em função dos interesses e valores de seus membros, submetidos a forças externas do mercado e à tecnologia. (CASTELLS, 2006, p. 225 e 226)

Ao analisar esse momento de apreensão do ‘discurso tecnológico’ Mattelart argumenta que o discurso enunciado produz o sentido de que a visão tecnicista a respeito das mudanças tecnológicas dificulta o entendimento dos avanços culturais inerentes ao caráter da informação entendida como novo “recurso intelectual”, novo “capital cognitivo”, pois essa noção foi introduzida em todos os setores da vida.

(...)a construção da chamada sociedade da informação se inscreve forçosamente em um campo de forças políticas das quais é difícil abstrair-se, e que os usos sociais das tecnologias são também assunto dos cidadãos e não só do determinismo do mercado e da técnica. (MATTELART, 2006, p. 237)


Dentre os vários discursos enunciados duas questões relevantes para o estabelecimento do discurso tecnológico surgem para fortalecê-lo. Ao mesmo tempo elas se constituem em dois dos enunciados mais recorrentes deste discurso e por isso serão descritas neste artigo. São as questões com relação a Inclusão Digital e a Internet, Liberdade e Vigilância. Neste trabalhos essas questões serão mostradas para assim identificar como elas corroboram e legitimam o discurso tecnológico.


1. Inclusão Digital
As mudanças históricas surgem de forma heterogênea e, muitas vezes, desigual. Em seus processos há muitas variáveis relevantes. No caso da revolução tecnológica há muitos fatores envolvidos. Dentre eles, pode-se destacar a questão que, ultimamente, tem sido enunciada de forma mais vidente: a Inclusão Digital. Pode-se definir, de forma simples, que inclusão digital são as ações e políticas (sejam de iniciativa pública ou não) para democratizar o acesso às tecnologias da informação.
Como, atesta Casttels (2006), foi em meio a uma das revoluções tecnológicas mais extraordinárias da história que a disparidade conhecimento e capacidade científica se concentra cada vez mais, seja isso evidente na diferença de avanço tecnológico entre países, classes, instituições e organizações.
Em particular no caso do Brasil para Miranda e Mendonça (2006) a exclusão digital é um fenômeno complexo e de várias dimensões. Sendo que apenas o incentivar ao desenvolvimento tecnológico não é suficiente para superá-la. É necessário também incentivar a democratização da informação, ampliando o acesso dos indivíduos a produção e divulgação do conhecimento, além da melhoria na distribuição de renda.

(...) “A falta de acesso à informação e às tecnologias, assim como aos serviços e direitos cidadãos, deve ser uma preocupação constante dos governos no momento de pensar, planejar e instituir políticas e programas de inclusão social e combate à pobreza. (...) [Que] não se caracteriza somente pela falta de acesso à educação, à saúde, à habitação, à participação social, aos direitos humanos e às tecnologias de informação e comunicação.
Portanto, há de se considerar à importância à democratização do acesso às informações mediadas pelas tecnologias de informação, educação e comunicação como um capital fundamental no combate à exclusão digital, à pobreza e à ampliação dos direitos do cidadão. (MIRANDA e MENDONÇA, 2006, P. 54)

Neste sentido tem-se que considerar que o avanço tecnológico tem afetado não só as condições culturais como também as relações de trabalho, a oferta de novos postos de produção e a extinção de tantos outros, estar excluídos desses processos por causa do desconhecimento ou da não-utilização condena o indivíduo à miséria permanente. (MIRANDA e MENDONÇA, 2006)
Por tudo isso, para Miranda e Mendonça (2006), investir na inclusão digital, portanto, não significa apenas alfabetizar tecnologicamente os indivíduos, as famílias e a comunidades, mas também inserir conteúdos, avaliar seus processos de recepção e medição, tendo como finalidade a aplicação social desses conteúdos trabalhados.

2. Internet: Liberdade e Vigilância
Outra questão recorrente no discurso da Sociedade da Informação são os enunciados sobre a Internet como espaço livre. Castells até diz que ela é uma das “tecnologias da liberdade”. Já Mattelart é mais crítico com relação a esse discurso que envolve a internet e liberdade.

(....) A conectividade técnica é apresentada como o passaporte à nova sociedade. Esta ideologia da conectividade combina com o retorno, nas esferas do chamado poder global, das concepções neodifusionistas – de cima pra baixo – de produção e distribuição do “conhecimento” nas estratégias de construção dos macrousos das novas tecnologias da informação e da comunicação. A retórica da inovação digital serve de pretexto para revigorar visões neo-imperiais e etnocêntricas da reestruturação da ordem mundial. (MATTELART, p. 238)

Neste contexto se estabelece outra questão interessante a respeito da liberdade da internet e de como ela pode ter seu uso sob vigilância. Castells revela que ao mesmo tempo em que há uma explosão das “tecnologias da liberdade” (conjunto de tecnologias informáticas de rede, de telecomunicações de banda larga, comunicação móvel e de computação dsitribuída) – particularmente a internet – eclode também a questão da vigilância dessa tecnologia. Segundo ele isso sobre o pretexto do terrorismo e pornografia. Ele analisa que este é um momento de obsessão pela segurança, do controle dos Estados sobre as comunicações, da ameaça à liberdade de expressão, dentro e fora da Internet, da vigilância eletrônica ubíqua e da invasão sistemática da privacidade por parte de empresas comerciais e agências do governo. (CASTELLS, 2006)
A vigilância é possível, segundo Castells (2006), porque a internet foi arquitetada para dificultar seu controle, mas não a vigilância da mensagem. E mesmo sofrendo cada vez mais interferência ainda se constitui no meio de comunicação local-global mais livre.

E apesar das contínuas tentativas de comercializar a Internet, apesar de ter se convertido em um instrumento essencial para a atividade econômica, a grande massa de fluxos de informação na Internet é de uso social e pessoal, não comercial. A Internet é fundamentalmente um espaço social, cada vez mais amplo e diversificado a partir das tecnologias de acesso móvel a ela. Por isso a preservação da liberdade de expressão e comunicação na Internet é a principal questão na liberdade de expressão em nosso mundo. (CASTELLS, 2006, p. 227)


Considerações Finais
O discurso tecnológico já está se constituindo num “verdadeiro da época” (fazendo alusão a Foucault), pois sua formação ideológica já perpassa por vários autores, entre os quais Castells e Mattelart. Ainda pode-se dizer que ele ainda se detém muito na questão da transmissão das mensagens (canal) e não na produção de sentidos que a tecnologia traz em si.
Esse discurso poderia se ampliar se a visão de que os avanços tecnológicos fossem apreendidos como inerentes as próprias mudanças culturais que estruturam a “Era da Informação” e dessa forma mostrar que fazem parte da intitulada “nova ordem mundial”.
Ao reverberarem tanto no discurso tecnológico, os dois enunciados mostrados (Inclusão Digital e a Internet, Liberdade e Vigilância) terminam por legitimar esse discurso, pois passam a fazer parte do cotidiano, se não de toda a sociedade, mas de parte dela.


BIBLIOGRAFIA

Castells, Manuel. Inovação, Liberdade e Poder na Era da Informação. In: Moraes, Denis de (org.). Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.
Mattelart, Armand. Para que “Nova Ordem Mundial da Informação”?. . In: Moraes, Denis de (org.). Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.Miranda, Antônio e Mendonça, Ana Valéria Machado. Informação e desenvolvimento em sociedade digital – Inclusão Social, Brasília, v.1, n.2, p. 53-57, abr./set. 2006