terça-feira, 27 de maio de 2008

Weblogs como Resistência

RESUMO

Este artigo pretende mostrar como os weblogs podem ser entendidos, na sociedade atual, como resistência/luta às relações de poder. Tudo isso, no sentido enunciado pela Análise do Discurso (AD), numa perspectiva foucaultiana.

Palavras-Chave: discurso, relações de poder, resistência, luta, blogs.


Introdução

Tanto Recuero (2004), quanto Orihuela (2007) concordam que os weblogs (ou blogs) são publicações pessoais feitas na web/internet. Recuero declara que os blogs são atualmente um dos fenômenos que mais crescem na web. Isso acontece principalmente pela facilidade com que se pode utilizar esse novo espaço no ciberespaço. Além da facilidade de publicação de conteúdo e informações os blogs, segundo Orihuela (2007), multiplicaram o leque de opções dos internautas de levar para a rede conteúdos próprios sem intermediários, atualizados e de grande visibilidade para os pesquisadores.
Recuero (2004) destaca que os weblogs são, inicialmente, espaços revolucionários na Web. Isso porque são caracterizados pelo diálogo, pela reciprocidade na troca comunicativa. Esta pesquisadora também acrescenta que esses espaços constituem um “lugar de fala” e uma apropriação social.
Este artigo de revisão de literatura pretende mostrar que, dentro do complexo campo teórico que forma a Análise do Discurso (AD), os blogs podem ser apreendidos (num dos pontos da AD) como resistência/luta em oposição aos micro-poderes que compões o(s) discurso(s) da chamada sociedade pós-moderna.
Para tanto, primeiro será apresentada a questão de como para a AD (especialmente o aparato teórico de Foucault) são mostradas as relações de poder e como elas se evidenciam nos discursos. Será apresentado, ainda, como as resistências se configuram nessas relações de poder. E por fim, como isso pode ser visto na forma como os “blogs temáticos” têm se configurado.

Relações de Poder

Dentre os “fundadores” da AD Francesa, destacam-se as figuras de Michel Pêcheux e Michel Foucault. Sendo este último o teórico/filósofo, cuja reflexão sobre as relações de poder mais influenciaram os rumos da AD.
Para introduzir alguns conceitos é interessante começar pelo conceito de discurso, no sentido enunciado pela AD Francesa, que segundo Fernandes (2007) seria:

(...) discurso, tomado como objeto da Análise do Discurso, não é a língua, nem texto, nem a fala, mas que necessita de elementos lingüísticos para ter uma existência material. (...) discurso implica uma exterioridade à língua, encontra-se no social e envolve questões de natureza não estritamente lingüística. Referimo-nos a aspectos sociais e ideológicos impregnados nas palavras quando elas são pronunciadas. (FERNANDES, 2007, p. 4)

O discurso é visto por Foucault como um espaço em que “poder” e “saber” se articulam. Ele analisa os dispositivos de poder nas sociedades. E é no livro A Ordem do Discurso, que Foucault, segundo Gregolin (2004, p. 97) desenvolve a idéia de que nossa civilização, apesar de venerar o discurso, tem por ele uma espécie de temor. Como conseqüência, criaram-se sistemas de controle, instituídos de forma a dominar a proliferação dos discursos.
Esse “temor” do discurso levou Foucault a concluir que a produção do discurso é controlada, organizada, selecionada e redistribuída por alguns procedimentos. Estes procedimentos são classificados em externos, internos e rarefação do discurso. Este artigo irá, mesmo que de forma simplificada, refletir apenas sobre os procedimentos externos (que são a interdição, a segregação e a vontade de verdade) e a rarefação.
A interdição e a segregação evidenciam a relação do discurso com poder, porque são elas que determinam que algumas palavras sejam proibidas (GREGOLIM, 2004). Como diz Foucault (1996, p. 9) não se tem o direito de dizer tudo (...) não se pode falar tudo em qualquer circunstância, (...) qualquer um não pode falar qualquer coisa.

Decorre das interdições que, numa sociedade, existam aqueles que podem e aqueles que não podem falar, havendo, portanto, certos rituais da palavra que separam, na comunidade de fala, aqueles que têm o direito exclusivo sobre o dizer em certo campo discursivo. (...). Junto com o procedimento de segregação, uma sociedade determina o silêncio pelas censuras entre o normal e o patológico, a razão e a desrazão, o certo e o errado. (GREGOLIN, 2004, p. 97)

Da segregação e interdição deriva o terceiro procedimento: a vontade de verdade, que na sociedade opõe o verdadeiro ao falso. Para Foucault a verdade é uma configuração histórica, ele entende que não há uma verdade, mas vontades de verdade, pois para o discurso ter poder tem que estar dentro do verdadeiro da época, mesmo que depois se evidencie que tal discurso não se constitui em verdade. Um exemplo disso ocorreu quando na sociedade medieval o discurso científico (que era intensamente atravessado pelo discurso religioso) “falava” que o sol girava em torno da Terra. Mesmo com algumas posições contrárias (que foram interditadas e segregadas) esse discurso com seus enunciados constituía o verdadeiro da época. Daí se conclui que se não estiver no verdadeiro da época o discurso não ecoa, não reverbera.
Assim, as vontades de verdade,

se transformam de acordo com as contingências históricas. Apoiada sobre um suporte e uma distribuição institucional, a vontade de verdade tende a exercer sobre os outros discursos uma espécie de pressão, um poder de coerção. (...) Trata-se, para Foucault, de uma função de “polícia discursiva” que é necessário reativar a cada produção do discurso. Tendo em conta a importância que adquiriu em nossa sociedade, dos três sistemas de exclusão que atingem o discurso, a vontade de verdade é o mais fundamental e atravessa os dois primeiros (...). (GREGOLIN, 2004, p. 98)

A partir dos princípios de controle do discurso (procedimentos externos e internos) algumas práticas têm como conseqüência o que Foucault denomina “rarefação dos sujeitos que falam”.

Os sujeitos que pronunciam os discursos são cerceados por regras que envolvem o ritual, as sociedades de discursos, as doutrinas e as apropriações sociais do discurso. Por meio do ritual, definem-se a qualificação, os comportamentos, as circunstâncias que devem possuir os indivíduos que falam, e todo o conjunto de signos que devem acompanhar o discurso; assim, ele fixa a eficácia suposta ou imposta das palavras, seu efeito sobre aqueles aos quais se dirigem, os limites de seu valor de coerção. (GREGOLIN, 2004, p. 104)

Gregolim (2004) resume que o papel da doutrina é limitar o discurso a alguns sujeitos, assim, certos indivíduos são relacionados a certo tipos de enunciados, os outros enunciados são proibidos a esses indivíduos. Pode-se até fazer uma analogia (para explicar melhor esse ponto) com a chamada especialização. Por exemplo, não se dá a mesma “credibilidade” ao discurso de um engenheiro ao ele pronunciar enunciados sobre uma doença ou algo ligado às ciências médicas, do que a um médico. Neste caso o dizer o engenheiro está limitado a sua posição na sociedade.
Já o que Foucault chama de apropriações sociais dos discursos são as instituições responsáveis pela distribuição dos discursos, pelo gerenciamento dessa distribuição (GREGOLIN, 2004, p. 105). No caso dos weblogs isso não funciona de maneira explícita, pois esses espaços, como foi dito no início deste artigo, constituem-se numa forma de publicação sem intermediários.
E como a linguagem/o discurso se materializa no enunciado. Todo esse complexo de “assujeitamento” discursivo acontece porque a sociedade acredita que

Todos esses sistemas de sujeição e de controle do discurso são interligados, não há uma fronteira que delimite seus espaços. (...). É por meio desses temas, tão insistentemente repetidos em nossa cultura, que acreditamos aceder ao real através da linguagem, que acreditamos evidente que as coisas murmuram, de antemão, um sentido que nossa linguagem precisa apenas fazer manifestar-se (...). (GREGOLIN, 2004, p. 105)

Assim a AD descreve as articulações entre a materialidade dos enunciados, que formam os discursos:

articulações entre a materialidade dos enunciados, seu agrupamento em discursos, sua inserção em formações discursivas, sua circulação através de práticas, seu controle por princípios relacionados ao poder, sua inscrição em um arquivo. A tudo isso, acrescenta-se o princípio da não evidencia do sentido, da não transparência do dizer. (GREGOLIN, 2004, p. 108)


Resistências

O poder faz parte do cotidiano e só existe porque há liberdade, já que só é possível exercer o poder sobre sujeitos livres. E essa liberdade implica em resistência e luta contra as relações de poder.

a produção e circulação dos enunciados também se dão profundamente enraizadas no nexo social; é no social que se definem as posições-sujeito, não fixas, marcadas por mutabilidade(...). O enunciado, ao revelar posição do sujeito, mostra-o em relação de poder. Assim, o discurso é parte integrante de um jogo de lutas, de antagonismos próprios à vida dos sujeitos em sociedade, e a resistência é também uma forma de poder nas lutas, e consiste uma prática discursiva. (FERNANDES, 2007, p. 59)

Gregolin (2004) complementa este pensamento dizendo que o poder foi pulverizado e por isso está presente em todos os aspectos da vida moderna. Mas essa pulverização, que se constituiu através da disciplinaridade, começou desde a idade medieval, segundo Foucault.

(...). A sociedade moderna construiu uma maquinaria de poder através da disciplinaridade, cuja anatomia política desenha-se aos poucos até alcançar um método geral e espalhar-se numa microfísica do poder que vem evoluindo em técnicas cada vez mais sutis, mais sofisticadas e, com sua aparente inocência, vem tomando o corpo social em sua quase totalidade. Essa microfísica se materializa no olhar vigilante que, do interior das instituições (...) ganha prolongamento social nas ações da vida cotidiana. Esse controle do olhar se funde com a disciplina organizadora do tempo e do espaço, criando o império da regularidade do ritmo, pois “é proibido perder tempo” já que “tempo é dinheiro”. (GREGOLIN, 2004, p. 132)

Cabe agora ressaltar que quando se fala em “disciplinarização”, Foucault não quer dizer que os indivíduos são robôs, que aceitam passivamente, todas as determinações do poder.

Para Foucault, o fato de haver uma “disciplinarização”, de ter sido necessário desenvolver mecanismos de controle e de vigilância contínuos demonstra que os sujeitos lutam. Dessa luta deriva, como conseqüência, o fato de que nenhum poder é absoluto ou permanente; ele é, pelo contrário, transitório e circular, o que permite a aparição das fissuras onde é possível a substituição da docilidade pela meta contínua e infindável da libertação dos corpos. O exercício do poder não é um fato bruto, um dado institucional, nem uma estrutura que se mantém ou se quebra; ao contrário, ele se elabora, transforma-se, organiza-se, dota-se de procedimentos mais ou menos ajustados. (...)
(...) as lutas, na sociedade moderna, giram em torno da busca da identidade e o seu principal objetivo não é o de atacar esta ou aquela instituição de poder, ou grupo, ou classe ou elite, mas sim uma técnica particular, uma forma de poder que se exerce sobre a vida cotidiana imediata”. (GREGOLIN, 2004, p. 136 e 137)

Talvez essa relação complexa entre poder e resistência seja melhor compreendida se for entendido que o “poder” em Foucault é o que Pêcheux (via Althusser) chame de “ideologia”. Assim talvez fique mais fácil o entendimento de como as resistências acontecem.
Para concluir esta parte, cabe mostrar através de uma citação de Gregolim, como essa relação entre poder e luta (resistência) se evidencia na sociedade.

O ponto mais importante, para Foucault, em sua “analítica do poder” é, como se pode perceber, a articulação entre relações de poder e estratégias de afrontamento, pois toda relação de poder implica, potencialmente, uma estratégia de luta, sem que por isso elas se sobreponham, percam suas especificidades e, finalmente, confundam-se. Relações de poder e estratégias de luta constituem, uma para a outra, uma espécie de limite permanente, um ponto de reversão possível. Ao mesmo tempo, elas constituem uma fronteira: não é possível haver relação de poder sem pontos de insubmissão que, por definição, lhe escapam. Em suma, toda estratégia de afrontamento sonha em transformar-se em relação de poder; e toda relação de poder pende, na medida em que ela segue a sua própria linha de desenvolvimento e que evita as resistências formais, a tornar-se estratégia “vitoriosa”. (...), não há uma servidão voluntária: no coração de relação de poder, provocando-a sem cessar, está a relutância do querer e a intransitividade da liberdade”. (GREGOLIN, 2004, p. 144 e 145)


Blogs como Resistência

Como foi dito no inicio, os blogs são um dos fenômenos de maior crescimento na sociedade digital. Além de se constituírem em um meio de publicação pessoal, os blogs “requerem” uma relação entre o “blogueiro” (responsável pelo blog) e seu leitor.
Neste artigo serão entendidos (a princípio e de forma mais explícita) como resistência os blogs temáticos e não aqueles que se parecem mais com diários pessoais. Os temáticos são aqueles que retratam assuntos que giram em torno de um mesmo tema (como o próprio nome diz) ou os que se aproximam dos meios jornalísticos, através de comentários/crítica sobre os acontecimentos que são destaque na mídia.

O blog é um meio a princípio pessoal (embora haja blogs em grupos), que funciona sem editores e sem prazos, sem fins lucrativos, e que é escrito, em geral, pelo prazer de compartilhar informações ou como veículo de expressão. Diante da “realidade jornalística”, o blog possui uma resposta mais rápida, mais impressionista e mais pessoal do que os meios de comunicação tradicionais e, por sua vez, contribui para ampliar as fronteiras da realidade midiática. Um dos efeitos da apropriação paulatina da rede por parte de novos atores que produzem o conteúdo é que a agenda pública já não é exclusivamente marcada pelos grandes meios de comunicação. Atores antigos e novos compartilham o papel de protagonistas em um ecossistema comunicacional renovado. (ORIHUELA, 2007, p. 6)

Pelo que foi exposto acima por Orihuela, pode-se chegar à conclusão de que os blogs se constituem como luta ao discurso midiático, pois muitas vezes o contradiz ou mostra outras facetas que foram interditadas pelos meios de comunicação de massa.
Outra característica que evidencia a luta e a relação de poder são razões segundo Orihuela que levam as pessoas a escreverem/fazerem blogs. Seriam eles: a necessidade de expressão, desejo de compartilhar saberes, desejo de se integrar em uma comunidade, busca de reconhecimento, exploração criativa, terapia, participação política, defesa de interesses ou mera exposição. (ORIHUELA, 2007, p. 7)
Assim a importância dos blogs vem crescendo. E eles vão se tornando como fontes informativas complementares e alternativas. Isso principalmente, porque em muitos casos os blogueiros (de blogs temáticos) são indivíduos que “entendem” do assunto, e assim, muitas vezes se constituem em “sujeitos” (no sentido da AD) autorizados a produzirem/enunciarem tais discursos.

Os blogs revolucionaram a maneira de gerar conteúdos na rede, impulsionaram um novo tipo de comunidades com base no conhecimento e contribuem para a enorme tarefa de dar sentido e relevância à informação que se encontra disponível na rede.
Os blogs constituem uma das zonas mais dinâmicas da internet e se projetam com segurança como um novo meio de comunicação on-line que luta por um lugar entre as versões eletrônicas dos meios tradicionais e dos meios apenas digitais (portais informativos, revistas digitais, boletins eletrônicos) (...). (ORIHUELA, 2007, p. 16)

Neste sentido os blogs realmente se configuram como resistência, pois se mostram cada vez mais como espaço de “luta”.


Considerações Finais

Por tudo o que foi exposto vale reafirmar a importância das resistências, principalmente no sentido de se entender que é nessa relação “conflituosa” entre poder e luta que a sociedade moderna (ou pós-moderna) vive cotidianamente. Pode-se, então, vislumbrar que os indivíduos não são passivos, mas que onde há poder há resistência.
Também pôde-se mostrar neste artigo como os blogs vêm se constituindo como parte do aparato das resistências pós-modernas da sociedade digital. Isso principalmente, no sentido de que atualmente eles têm servido como filtro social de opiniões, temas e até notícias. Configurando-se, então, em um novo canal que critica os meios de comunicação tradicionais. E assim podem at se configurar em um fator de mobilização social.





BIBLIOGRAFIA

· FERNANDES, Cleudemar Alves. Análise do Discurso: Reflexões Introdutórias. São Carlos: Claraluz, 2007.
· ___________. A Noção de Enunciado em Foucalut e sua Atualidade na Análise do Discurso. In: FERNANDES, Claudemar Alves e SANTOS, João Bosco Cabral dos (org.). Percursos da Análise do Discurso no Brasil. São Carlos: Editora Claraluz, 2007.
· RECUERO, Raquel. O Interdiscurso Construtivo como característica fundamental dos Webrings. Intexto, Porto Alegre, v. 10. 2004.
· ORIHUELA. José Luis. Blogs e Blogosfera: o Meio e a Comunidade. In: ORDUÑA, Octavio I. Rojas[et al.]. Blogs: Revolucionando os Meios de Comunicação. São Paulo: Thomson Learning, 2007.
· FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
· GREGOLIN, Maria do Rosário. Foucault e Pêcheux na Construção da Análise do Discurso: Diálogos e Duelos. São Carlos: Claraluz, 2004.

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